O novo College Football Playoff + O dilema dos head coaches
A expansão dos playoffs é realmente uma coisa boa para o esporte?
Olá, fã do college!
Depois de algumas semanas de hiato, o Boletim do College volta para dar início a sua terceira temporada! E ela vem com algumas mudanças. Começando pelo formato. A newsletter não será mais monotemática como antes, a partir de agora pretendo dividir o texto em temas, a fim de deixar a leitura mais dinâmica e abrangente.
Para começar a nova fase, abordarei aqui dois temas bastante discutidos nos últimos dias:
A expansão do College Football Playoff será benéfica para o esporte?
Por que tantos head coaches do college estão deixando o cargo?
A princípio, eu mesmo vou elaborar as questões a serem abordadas aqui na newsletter. Mas eu adoraria que o querido leitor também participasse enviando dúvidas e temas para eu responder. Para isso, basta comentar em qualquer publicação das nossas redes sociais ou no link abaixo, que, assim que possível, responderei neste espaço, dando o devido crédito ao autor da pergunta.
A expansão do College Football Playoff será benéfica para o esporte?
Antes de começar a responder a essa pergunta, vale a pena repassar como serão os playoffs pelos próximos dois anos, já que provavelmente o torneio vai se expandir ainda mais a partir de 2026.
Segundo as novas regras aprovadas nesta semana, apenas os cinco melhores campeões de conferência terão vaga garantida (e não mais 6). Os demais sete times serão escolhidos pelo critério at-large, resguardando uma das vagas ao melhor time do Group of 5.
Os quatro melhores campeões de conferência vão direto para as quartas de final, enquanto os demais times participarão da primeira rodada (que ocorrerá na próxima temporada nos dias 20 e 21 de dezembro) jogando na casa do time que estiver melhor ranqueado.
As quartas de final (31/dez e 01/jan) e semifinais (9-10/jan) serão disputadas nos tradicionais bowls de ano novo em sistema de rotação (de forma semelhante ao que já acontece). A final nacional será jogada na segunda-feira seguinte às finais de divisão da NFL (21 de janeiro).
Para exemplificar, o torneio teria essa configuração se o novo formato já tivesse sido adotado na última temporada:
Desde que a expansão do College Football Playoff se tornou uma realidade, muito tem se discutido sobre qual será o impacto a longo prazo dessa mudança no esporte como um todo. Como tudo na vida, há sempre os otimistas e os pessimistas.
Eu me coloco no grupo dos otimistas, ao entender que, ao envolver mais times, inclusive aqueles do Group of 5, haverá um crescimento no interesse tanto sobre a competição em si, como também sobre os jogos da temporada regular.
É inegável que o peso de garantir uma vaga na bowl season ou até mesmo o de conquistar um título de conferência, não é mais o mesmo. Jogar por uma vaga nos playoffs e pela chance de ser campeão nacional tem muito mais apelo atualmente, tanto entre jogadores, como entre os técnicos e dirigentes das universidades.
Vai me dizer não haverá um aumento do interesse geral sobre os jogos de programas como Tulane, Liberty e Coastal Carolina quando eles estiverem na briga por uma vaga nos playoffs? Quanto maior a exposição, melhor para as escolas e jogadores.
Além disso, a chance de se repetir o que aconteceu com Florida State, que ficou fora dos playoffs mesmo após uma temporada invicta, fica muito mais difícil quando houver 12 vagas em jogo.
Outro ponto que me ganha também e que me deixa empolgado para a chegada do novo formato é a possibilidade de ver jogos de playoffs nos campus universitários. Se a torcida do college é um espetáculo a parte em jogos normais da temporada, imagina nos playoffs!
Apesar de todos os prós citados acima, não dá para ignorar os contras.
Os mais tradicionalistas alegam que a expansão consolida um movimento que tem tirado a importância da temporada regular, fazendo o college football ser um esporte demasiadamente centrado na pós-temporada.
Em um mundo em que os esportes profissionais lutam para que a temporada regular seja valorizada e atrativa para os torcedores médios, ver o college fazer o caminho contrário parece bizarro.
Não faz muito tempo que o college football sequer tinha uma final nacional institucionalizada entre as principais conferências. Isso só veio acontecer a partir de 1998 com a criação do BCS National Championship Game, quando os dois melhores times do college jogavam entre si para decidir o campeão nacional. O BCS deu lugar ao College Football Playoff de quatro times em 2014.
Apesar da pós-temporada não ser mais um conceito estranho aos fãs do college football, a partir do momento em que ela envolver 12 times haverá uma inevitável queda do impacto criado por cada jogo.
No antigo formato, você sabia que Alabama provavelmente daria adeus às chances de título nacional se perdesse para Auburn no Iron Bowl. Sob o novo sistema, isso dificilmente acontecerá. O peso de cada vitória (e de cada derrota) cairá drasticamente. Isso, sem dúvida, tira um pouco da aura que pesava sobre cada jogo da temporada. A qualquer momento, um gigante poderia cair.
Agora uma derrota pode ser apenas um buraco no caminho rumo ao título nacional. Algumas pessoas podem dizer que é injusto colocar a perder o trabalho de uma equipe apenas por causa um mal momento. Mas eu discordo. Não é basicamente isso que acontece em competições que amamos como Olimpíadas e Copa do Mundo?
De fato, a temporada regular do CFB é a melhor de todos os esportes americanos e deve ser preservada dessa forma. As poucas semanas de competição regular fazem de cada sábado da temporada um evento especial e reduzi-lo apenas a uma prévia dos playoffs é um crime.
Apesar de inevitável queda de importância da temporada regular, acredito que, ao fim e ao cabo, a expansão será em geral benéfica para o esporte se olharmos para o resultado dentro de campo.
Claro que há a questão da carga adicional de trabalho que será depositada sobre os atletas, pois eles jogarão mais partidas no ano sem qualquer contraprestação adicional por parte das escolas. Trata-se de um tema delicado e importante, e provavelmente será a fonte da próxima revolução dos esportes universitários.
Por que tantos head coaches estão deixando o cargo?
Que toda a offseason há uma dança de cadeiras intensa no college todo mundo sabe. Porém, uma característica peculiar das últimas movimentações é que, cada vez mais, há head coaches optando por cargos de coordenação.
Nas últimas semanas, vimos pelo menos três casos bastante emblemáticos. O mais famoso deles foi a decisão de Chip Kelly de rescindir seu cargo em UCLA e assumir a coordenação ofensiva de Ohio State.
Outro que teve bastante repercussão nos últimos dias foi o de Shawn Elliott, que largou Georgia State para ser coordenador de jogo corrido e treinador de tight ends de South Carolina. A decisão de Elliott forçou Georgia State a interromper os treinos de primavera e adiar o spring game. Eu nunca vi isso acontecer antes.
Elliot estava com os Panthers desde 2017 e era um dos raros head coaches estáveis de um programa do Group of 5. O que aconteceu para que ele tomasse essa decisão?
Deixando de lado eventuais motivações pessoais, fato é que ser head coach no college em 2024 é uma coisa totalmente diferente do que era, sei lá, em 2020. Além das tradicionais funções técnicas e de recrutamento do high school, agora o head coach precisa também recrutar no portal de transferências.
Não apenas isso. Com a possibilidade que jogadores façam dinheiro com seus diretos de imagem (NIL), os técnicos foram forçados a ter um papel ativo na arrecadação de doações para os coletivos.
Coletivos são organizações que arrecadam fundos por meio de doadores com a intenção de direcionar esse dinheiro aos atletas de uma escola por meio de acordos NIL. Embora não sejam formalmente associados às atléticas, head coaches e diretores abertamente fazem campanhas de arrecadação em prol dos coletivos.
E fazer campanha em prol de arrecadação de fundos para pagamento de atléticas se tornou grande parte do trabalho do head coach hoje em dia. No college football dos dias de hoje, ficou extremamente difícil recrutar com sucesso se não houver o apoio de um coletivo sólido e próspero.
Foi-se o tempo em que vestiários suntuosos e academias equipadas era um diferencial para um atleta escolher uma escola em detrimento da outra. No novo mundo do NIL, os atletas preferem escolas que proporcionam mais oportunidades de negócios.
E não há nada de errado com isso. Para a maioria esmagadora dos atletas que não se tornam profissionais, esse é o único dinheiro que eles vão conseguir gerar a partir do seu talento atlético.
Porém, essa nova realidade foi particularmente onerosa para os head coaches. É por isso que muitos não vacilam em se tornarem profissionais na primeira oportunidade que aparecer. Não tenho dúvidas que Jim Harbaugh gastará o seu tempo muito mais em funções típicas de um técnico no Los Angeles Chargers, do que gastaria se tivesse permanecido em Michigan.
Falta no college football a figura correspondente a de general manager da NFL. Os diretores atléticos não tem o conhecimento necessário para cumprir esse papel. Por isso, muito da carga de trabalho acaba sendo transferida para o head coach. E em um mundo de portal de transferência, cada vez mais os técnicos precisam recrutar praticamente um time inteiro todos os anos.
Manter jogadores nas escolas se tornou uma tarefa árdua e constante. Praticamente as escolas precisam recrutar o mesmo jogador todos os anos, especialmente os mais talentosos. Caso contrário, ele dá entrada no portal de transferência na primeira oportunidade que tiver.
Essa realidade é ainda mais dura para os programas da Group of 5, que tem dificuldade em reter jogadores diante do assédio de equipes da Power 5.
“É desesperador.”, disse Rhett Lashlee, head coach de SMU, para o jornalista Ross Dellenger do Yahoo Sports. “Esse é o motivo de vermos técnicos saindo.”
Quando mais olho de perto a atual forma e para onde os esportes universitários estão caminhando, mais convencido fico da necessidade de uma reforma profunda do atual sistema.
Não acredito que a solução seja limitar a liberdade dos atletas. Porém, o advento do NIL e do portal de transferências dentro de um sistema arcaico, utilizado há décadas pela NCAA foi desastroso. Ninguém está feliz com a forma com as coisas estão atualmente no college. Nem atleta, nem técnico, nem diretores.
Basta ver o movimento de SEC e Big Ten, que se uniram a fim de criar um grupo de trabalho para pensar em novas ideias que possam tirar os esportes universitários da crise existencial em vivem.
Os desafios são inúmeros e essa crise de identidade que vivem os head coaches é apenas uma pequena parte do problema.
Porém, esse é um assunto para uma outra newsletter.